domingo, 16 de agosto de 2009

Moda e Identidade

Uma vez ouvi o Carlinhos Brown falar sua concepção de moda de uma maneira tão apaixonada que me deixou surpresa. Eu imaginava que um sujeito aparentemente tão autêntico, excêntrico e até "exótico" estaria pouco ligando para o universo "fashion". No entanto, ele falava sobre o assunto com o maior interesse e com uma carga de informações surpreendentes.
Talvez a minha surpresa tenha se dado pelo fato de estarmos habituados a relacionar moda com as tendências massificantes que apriosionam as pessoas a determinados padrões. Durante muito tempo, os brasileiros da área da moda (e de outras áreas também), salvo excessões, copiavam tudo que vinha de fora, especialmente da Europa e Estados Unidos.
É verdade também que um número imenso de pessoas ficam ligadas nas novelas da Globo para se fantasiar com o modelito das principais personagens. É comum encontrarmos pelos mais diversos espaços "Babalus", "Viúvas Porcinas", "Marias de Fátimas" e mais recentemente "Mayas", "Melissas", "Ivones" etc.
Foi muito interessante ouvir o cantor mencionar seu envolvimento com a moda por ela representar para ele mais um canal de comunicação com o público. Ao citar sua preferência por alguns estilistas e relacionar com o valor de "um Miró" demonstrou seu apreço pela moda enquanto arte que expressa criatividade, sentimentos, liberdade individual e até o indizível de cada artista.
Senti-me próxima de sua percepção porque compreendo que o modo de vestir de alguém é o modo de recriar o próprio corpo, valorizando o que ele tem de melhor. Vestir-se é expressão e comunicação. São formas, cores e movimento que dizem sobre o seu humor sua criatividade e sua atitude diante da vida.
É óbvio que uma pessoa não é definida somente pelo que veste, mas o hábito ajuda a identificar o monge ou àquele indivíduo que quer se passar por monge. Assim se uma médica recebe seus pacientes sem o jaleco e com os seios apontando sob uma linda blusa transparente, alguém poderá acreditar que entrou no lugar errado, se a professora entrar na sala de aula vestida com uma roupa justíssima, com um decote de matar, os alunos compreenderão que seus interesses vão além de dar aulas ou mesmo se o gerente de um banco apresentar-se para atender com uma roupa gótica bem característica, poderá até perder clientes. É também óbvio que ninguém deixa de ser tecnicamente competente pela roupa que veste, no entanto produzirá muitos equívocos e muitas chateações.
Nos últimos anos o Brasil tem se tornado respeitado internacionalmente no quesito indústria da moda e as semanas de moda no País estão no calendário mundial. Ao acompanhar esse movimento tenho também percebido o interesse crescente da população em geral pelo assunto e o quanto os nossos criadores de moda têm exercido sua liberdade e inventividade, desprendendo-se dos padrões importados. Isso pode revelar um crescimento na auto-estima e no auto-conceito de nossa gente? Será que nos sentimos mais seguros diante dos outros povos para aprensentar nosso jeito de ser com nossas raizes, nossa história, nossa ancestralidade e nossa perspectiva de futuro?
Sou daquelas que acredita que a expressão e a autentidade de alguém pode e deve ser constituinte do seu estilo e o seu estilo nunca é algo isolado do coletivo. Portanto moda é expressão de identidade individual e coletiva. E moda é arte e cultura.

sexta-feira, 31 de julho de 2009

Devagar e sempre...

Esse mês de julho oportunizou-me férias muitos especiais. Não consegui me afastar completamente do ambiente profissional, pois estava envolvida em um projeto que não foi concluido na primeira semana de julho, conforme eu previra. Isso exigiu uma passada semanal na minha sala de trabalho. Não obstante, esse contexto, minhas férias foram extraordinárias, naquilo que me oportunizaram de aprendizado e de novas descobertas.
Nos ultimos dias de junho participei de uma oficina de chi kong mediada por uma terapeuta holística, amiga de longo tempo. Pude compreender melhor a sutileza da concepção de saúde das antigas tradições chinesas e sua noção de harmonização e equilíbrio. Percebi com mais intensidade meu corpo como algo vivo e pulsante que pode ser cuidado e restaurado a cada momento pela respiração completa, pela postura correta e pelas atitudes positivas. Em seguida experimentei os benefícios da moxaterapia e da reflexologia, técnicas milenares com os mesmos objetivos anteriores.
O grupo que participou comigo foi unânime no reconhecimento dos benefícios dessas terapias, principalmente quanto a sutileza de sua eficácia. Com um trabalho corporal que utiliza os movimentos sem pressa e sem força exagerada pudemos sentir a dimensão da energia existente em nosso organismo. Foi gratificante também a forma de ocupar o espaço em relação ao próprio corpo e o corpo do outro. Um sentimento de respeito e integração tomou conta de todos.
Esse tipo de terapia nos propicia uma tomada de consciência real da unidade corpo e mente, da relação ceu e terra e da unidade dos contrários. Somos convocados a uma atitude de reciprocidade com o entorno. Para sermos efetivamente o que somos temos que possibilitar que o todo seja o que é.
A saúde é uma decorrência de uma harmonia total. O conceito de saúde está relacionado as diversas dimensões que inclui o físico, o psíquico, o social e o cultural.
Estar saudável ou doente depende da postura e da atitude diante do todo da vida.
Começar o mês de julho mergulhando nas tradições milenares de outras culturas, baseadas em valores e conceitos por vezes antagônicos ao nosso mundo capitalista proporcionou-me refletir sobre a graça e a beleza de cada momento como realmente nos é dado. Ajudou-me a esperar o tempo e os seus acontecimentos com serenidade e alegria, acreditando que em cada pequeno fato do cotidiano haveria uma riqueza a ser descoberta e apreciada. Isso propiciou-me viajar sem sair de minha cidade e viver cada dia como se fosse uma grande aventura, realizando coisas tão simples e que se tornaram imensamente prazerosas.

quinta-feira, 16 de julho de 2009

Somos o Céu e o Inferno

Somos ambivalentes, paradoxais, contraditórios, ambíguos, plurais... Somos uma espécie de grande complexidade. Em nós reina o humano e o divino, o amor e ódio, a poesia e a prosa simultaneamente e até interdependetemente.
Nossa estrutura biológica foi dotada em anos de evolução de competências tais que nos permitiram capacidades psíquicas extraordinárias. Tornamo-nos co-autores do mundo que nos rodeia. Somos capazes de reinventar as espécies, inclusive a humana. Estamos desbravando o universo ao nosso redor e já implantamos plataformas espaciais ha muito tempo.
Sabemos que somos uma espécie frágil que sobrevive porque está em rede de dependência. O que somos é fruto de relações sociais. Ou seja o outro nos constitui porque cuida de nós, nos ensina, diz quem somos, contesta o que fazemos, reinterpreta nossas percepções. Somos tecidos na teia das convivências cotidianas.
Entretanto, nada é mais difícil que a convivência porque agimos como se fóssemos a medida do mundo. Esperamos que as pessoas pensem como nós, sintam como nós e até projetem com exatidão o que nem pensamos e nem sentimos ainda.
Impomos ao outro a sagrada tarefa de preencher as nossas expectativas presentes e futuras.
E como é impossível nos frustramos profundamente com a incapacidade do outro.
Será que não percebemos que nós mesmos, enquanto indivíduos estamos sempre mudando. Nossos interesses não são os mesmos, nosso olhar muda de ângulo sempre... Por que esperamos que o outro nos compreenda e até se antecipe aos nossos anseios?
Sartre em sua autêntica percepção da prepotência e simultânea covardia humana disse: "o inferno são os outros". O inferno são os outros porque somos muito arrogantes para assumirmos nossas fraquezas e inseguranças. Colocamo-nos em um patamar de superioridade que não nos permite admitir que nossas certezas e verdades são parciais e efêmeras.
A maioria de nós não descobriu que nossa força está exatamente na nossa complexidade que articula nossas múltiplas facetas. Nossa matéria é feita de energia e nossa energia é feita com matéria. Somos amor e ódio, força e fraqueza, somos tempestade e bonança, somos Deus e somos diabo...
Conviver pode ser o hades ou o céu. Dependerá da capacidade que tivermos para aceitar o outro como outro. Somos diferentes, cada um traz uma história, cada um teceu uma vida e elaborou conceitos a partir de vivências únicas. Se formos honestos compreenderemos que aquilo que temos em comum uns com os outros é exatamente nossa capacidade de sermos diferentes e de mudar a cada dia.

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Desconstruir e desaprender

As notícias de catástrofes ambientais estão cada vez mais comuns. O desequilíbrio do clima é sentido na pele por todos nós. As doenças provocadas pela má qualidade da água e do ar, decorrentes dos níveis de poluição são cada vez mais frequentes principalmente para as populações de baixa renda, cuja alimentação e cuidados básicos não são realizados de modo satisfatório.
Nosso modelo de vida está esgotando as reservas naturais de matéria-prima e está poluindo inconsequentemente o que resta. Ninguém duvida dessas constatações. As escolas difundem isso em suas salas de aula. Os programas de tv demonstram de várias formas o que esta acontecendo. Mas tudo continua omo antes no quartel de Abrantes. Continuamos consumindo o máximo possível permitido pela renda, continuamos utilizando produtos descartáveis sem pudor, continuamos andando de automóvel individual por todos os motivos, continuamos agindo individualmente como se não soubéssemos que as consequências são coletivas e são inevitáveis.
Em séculos de capitalismo elaboramos conceitos que foram internalizados e agora resistem firmemente às mudanças.
Temos que reaprender a viver. Não é possível mantermos os mesmo hábitos e atitudes

sábado, 4 de julho de 2009

É Preciso Saber Viver.

Quem vive como nós em uma sociedade capitalista, não consegue ficar imune ao fascínio das novidades. Todos nós apreciamos algo novo. Quando pensamos em ter uma atitude mais firme em relação ao consumo, aparece algo novo que mina totalmente nossa resistência de consumidora responsável. É uma luta quase perdida...
Criamos os mais diversos pretextos para uma comprinha básica: "acho que meu cabelo já se acostumou com esse shampoo...", "meu tênis já não proteje minhas articulações...", "não tenho um vestido para ir à festa...", "estou precisando de uma sandália para levantar um pouco o astral"... Consumir é algo básico, fundamental mesmo... Serve até de terapia para muita gente.
Seria muito bom se todo esse movimento de consumo, realmente produzisse um grau de satisfação mais constante; lamentavelmente o que mais se vê é a produção artificial de novas necessidades que nunca estarão satisfeitas. Muitas mulheres perdem-se em meio às demandas da publicidade, sucumbindo à dívidas sem nenhum controle. É realmente difícil manter algum equilíbrio principalmente quando o universo do consumo feminino é de uma diversidade e criatividade fantásticas...
Talvez pudéssemos, com algum senso crítico e muita força de vontade, elaborar alguns critérios norteadores quando a inquietação do consumo nos devorar.
Quem sabe pudéssemos substituir algumas comprinhas por alguns presentes mais simples e duradouros que um cinto novo, uma bolsa linda, ou uns óculos fashion...
Existe algo mais tocante que um por de sol à beira do mar? Caminhar na areia da praia, curtindo em cada milímetro da pele a brisa suave é uma carícia indescritível! Que tal subir ao mirante mais alto da cidade e curtir a paisagem sem pressa ? Já experimentou chamar aquele amigo para um leve bate-papo regado a um café feito por você mesma, acompanhado de um pão quentinho daqueles que derretem a manteiga instantaneamente...
Outra opção ao consumismo desenfreado é investir em algumas práticas saudáveis que podem impedir a itilização daquele ansiolítico ou antidepressivo já quase inevitável. É possível descobrir em algum lugar não tão longe de nossa casa uma academia de pilates, uma clínica de massagens, um centro de ayurveda, um centro de yoga, um centro gi gong.
É possível transformar em presentes tudo à nossa volta, inclusive os pequenos e simples prazeres que estão ao alcace de todos... É preciso saber viver...

domingo, 17 de maio de 2009

SER FELIZ É UM APRENDIZADO POSSÍVEL


Somos interpelados, a cada dia, por desafios que se apresentam das mais variadas formas. Num plano global estamos todos apreensivos com as mudanças climáticas que ameaçam a qualidade da vida do planeta. Enquanto brasileiros vivemos em um ambiente de calamidade pública, pois, esse ano de 2009 trouxe, como consequências das alterações climáticas, a seca rigorosa nos estados do sul e sudeste e trouxe também, as enchentes que aumentaram e continuam aumentando a miséria dos nordestinos. De um modo ou de outro, somos afetados e temos muitos motivos para preocupações.

É difícil imaginarmos alguém, nesse momento, que não tenha alguém da família sofrendo as dores de alguma doença ou não esteja lamentando um amor ou um emprego perdido. São inúmeras as situações de dor e sofrimento que seria impossivel descrevê-las nesse espaço.

Por essas e outras situações muitas pessoas sucumbem ao sofrimento e não conseguem encontrar justificativas para alimentar estados de alegria, de motivação e de esperança. Aqui não estou me referindo a pessoas efetivamente depressivas. Estou aludindo àquele tipo de pessoa que mesmo sendo "saudável" encontra sempre justificativas razoáveis para posicionar-se de modo pessimista e cuja atitude cotidiana é sempre de desesperança e de descontentamento.

Talvez fosse necessário lembrarmos que a vida não é algo estático: é movimento contínuo. No filme e no livro "Ponto de Mutação" a personagem principal dá um conceito simples e, ao mesmo tempo, complexo da vida, enquanto fenômeno biológico, que se aplica a todas as demais dimensões da vida: "a vida é auto-organização". Enquanto processo requer um metabolismo ativo. Para quem espera que a vida seja um estado de plenitude, sem dúvida encontrará somente frustração. Ela exige, para cumprir seus ciclos, disponibilidade para o movimento e para as possibilidades de mudança.

Somos um espécie implicada em processos dinâmicos, tanto biologicamente, quanto psicologica, social e culturalmente. O fato de nascermos desprovidos de qualquer autonomia, nossa sobrevivência se da na relação de aprendizagem que estabelecemos com o nosso meio social e cultural. Toda a continuidade de nossa vida depende dos aprendizados que realizamos. Começamos por aprender a comer, a andar, a falar, a pensar etc. Cada aprendizado desse nos impele a ultrapassarmos um estágio, a superar um modo de ser para atingir um outro nível.

É paradoxal com a própria vida, a atitude de apatia e passividade de muitas pessoas que "esperam", ou nem esperam, ser feliz, compreendendo a felicidade como um estado de realização ou de preenchimento de todos seus desejos, suas vontades e suas fantasias. Será desejável sermos capazes de atingir a plenitude no aqui agora? Será que nossa maior graça não é, exatamente, sermos sujeitos, cujo desejo nos impulsiona para algo mais? Ser transcendente não é ser capaz de ir além? Se ser feliz é estar pleno o que resta, talvez, seja a morte.

Acredito na felicidade, mas numa felicidade feita de momentos cheios de graça e de delicadeza, onde sou capaz de me colocar como partícipe da dança cósmica que produz transformações e beleza em instantes fugazes aos quais me integro plenamente. Talvez fique mais claro o que eu digo, transcrevendo esse trecho de Cecília Meireles, citada no prefácio do livro Pedagogia da Terra pela Ângela Antunes:

"Houve um tempo em que minha janela se abria sobre uma cidade que parecia ser feita de giz. Perto da janela havia um pequeno jardin, quase seco. Era uma época de estiagem, de terra esfarelada e o jardim parecia morto. Mas todas as manhãs vinha um pobre com um balde e, em silêncio, ia atirando com as mãos umas gotas de água sobre as plantas. Não era uma rega era uma espécie de aspersão ritual, para que o jardim não morresse. E eu olhava para as plantas, para o homem, para as gotas de água que caiam de seus dedos magros e meu coração ficava completamente feliz. Às vezes abro a janela e vejo o jasmineiro em flor. Outras vezes encontro nuvens espessas. Avisto crianças que vão para a escola. Pardais que pulam pelo muro. Gatos que abrem e fecham os olhos, sonhando com pardais. Borboletas brancas, duas a duas, como refletidas no espelho do ar. Marimbondos que sempre me parecem personagens de Lope de Vega. Às vezes, um galo canta. Às vezes um avião passa. (...) E eu me sinto completamente feliz. Mas quando falo dessas pequenas felicidades certas, que estão diante de cada janela, uns dizem que essas coisas não existem, outros que só existem diante de minhas janelas, e outros, finalmente, que é preciso aprender a olhar, para poder vê-las assim" . (grifo meu).

domingo, 10 de maio de 2009

O Rio de Janeiro Continua Lindo





Acredito mesmo que o Rio de Janeiro é a cidade mais linda do mundo. A geografia especial de suas várias baias revela uma criatividade extraordinária da natureza. Foi a capital mais charmosa que nosso país teve. Seus encantos foram gravados em minha memória de adolescente pelas descrições feitas com maestria nos romances de Joaquim Manoel de Macedo, José de Alencar e Machado de Assis, principalmente. Quantas vezes vibrei e chorei pelos amores sofridos de Helena, da Moreninha e de tantas outras heroínas do Romantismo brasileiro.
Dei-me de presente após meu último aniversário, uma viagem ao Rio. Mas, curiosamente a escolha da cidade se deu por duas questões relacionadas a outras estéticas que não a geográfica. Em primeiro lugar recebi o convite de uma amiga para voltar ao Rio e, segundo, queria participar pela primeira vez do Congresso Brasileiro de Psicanálise.
Foi uma viagem perfeita, exceto pelo atraso costumeiro em Brasília. Cheguei ao Rio com uma desfasagem no tempo, o que me deixou assustada, visto que perdi o horário do ônibus que me levaria à Região Serrana. Aceitei participar de um evento que seria realizado em Nova Friburgo no dia seguinte. Tentando evitar qualquer transtorno, comprometi-me em chegar à cidade no dia anterior ao evento. Tive que pegar o ônibus das 21h30, o que me obrigou a esperar quarenta e cinco minutos. Puxando uma mala enorme de um lado e segurando o laptop de outro, arrastei-me pela rodoviária em obras, onde nenhuma indicação era oferecida para orientar os viajantes. Os passageiros circulavam entediados, meio sonâmbulos e olhavam os demais com desconfiança e desinteresse. Penso que as rodoviárias são sempre melancólicas. Talvez, por possibilitarem mais despedidas que reencontros.
Estava faminta, depois de recusar todos os lanchinhos da Companhia Aérea . Enquanto esperava, minha fome elevou-se a proporções absurdas. Para agudizar o quadro minhas costas desalinhadas por lordose e escoliose, doíam terrivelmente. Minha sensação de solidão aumentava, à medida, que a agradável temperatura, após a chuva, ameaçava cair.
Quando entrei no ônibus, senti-me aliviada por fugir da rodoviária fria e então acreditar que encontraria os amigos que me esperavam e cumpriria o compromisso assumido.
Subir a Serra é sempre meio misterioso e se for à noite, mais misterioso me parece. A estrada se enrosca pelas encostas das montanhas, fazendo o ronco dos carros soar lúgubre pela força desprendida. Olhava pela janela e só via a silhueta negra das árvores sobreviventes da Mata Atlântica que acompanhavam nosso caminho. Sentia-me adentrando um outro mundo de mistérios e silêncios que só algumas vezes alcançamos. Em meio a pensamentos confusos adormeci por duas horas.
Já estávamos chegando à Friburgo quando acordei. Deparei-me com a luz suave das ruas com suas casas desprenciosamente charmosas. Desci na rodoviária e logo deparo-me com meus anfitriões. Imediatamente, a temperatura sobe, a solidão desaparece e o cansaço não existe. Quando os amigos nos acolhem parece que há uma mudança na própria estação. Parecia que tínhamos chegado à primavera. Um longo abraço revela a ternura e a alegria do reencontro. Enquanto eu relatava as peripécias do dia minha amiga nos dirige para o seu apartamento.
Era meia-noite e quinze e eu encontro além do aconchego do abraço, do sorriso caloroso, do apartamento aconchegante, uma mesa posta cheia de mimos. Tudo era sinônimo de carinho e cortesia: o carícia da fumegante e cremosa sopa de ervilha derreteria até o gelo dos polos, o bolo com cobertura de chocolate para comemorar o meu aniversário do dia anterior era o próprio pecado da gula. Momentos assim, transformam qualquer experiência em aventura amorosa. É bom ser gente quando encontramos gente que nos faz pensar em nossa espécie como ser sagrado. é bom ser gente quando as relações são feitas de ternura e confiança. É bom ser gente quando se acredita na bondade humana.
O Rio de Janeiro, dessa vez trouxe para mim mais experiência estética, fiz cursos, vi peças tetrais, acompanhei exposições internacionais, entretanto o que foi tocante, mesmo, e deixou marcas mais profundas foi a experiência do aconchego dos amigos, foi o calor da amizade e a beleza da generosidade da Geni, do Anacleto, da Bárbara, da Cristina e da Ana Carolina.
Os amigos transformam as estações: eles fazem você chegar à primavera sem passar pelo inverno. Eles fazem florescer seu coração em qualquer tempo. Quando lembrar do Rio, lembrarei sempre que além do Corcovado, existe a Serra e com ela a mistura de: sopa quente, bolo com cobertura de chocolate regados à sorrisos que só os amigos verdadeiros sabem dar.

domingo, 26 de abril de 2009

Competição ou cooperação?


Estamos sempre falando na crise. Em grande parte dos anos noventa passamos falando na crise de valores morais. Desde o ano passado com os escândalos financeiros que assolaram os Estados Unidos passamos a falar continuamente sobre a crise financeira, que se expandiu e assumiu proporções inimagináveis para a maioria da população mundial.
O sistema capitalista se reconfigurou nos anos oitenta, reduzindo o papel do Estado na regulamentação das economias nacionais, restringindo a ação das políticas de bem-estar social e, principalmente, sobrepondo o mercado como a entidade supra nacional, detendora de todos os poderes. A doutrina neo-liberal impôs-se por todos os lados apregoando as vantagens do sistema e justificando todas as formas de restrição dos direitos dos trabalhadores. Muitos de nós acreditaram, assimilando passivamente todas as perdas sociais que haviam adquirido como sujeitos de direitos. Não obstante a passividade das massas diante do capital, o sistema capitalista deu sinais que seus fundamentos estão em ruínas. Para nós restou o medo. Como ficarão as economias do países? Até quando nossa empresa e nosso emprego resistem?
A crise é fruto de sistema perverso que estrutura no acúmulo de bens por alguns poucos, a partir da exploração da força de trabalho de tantos outros. Tal modelo pressupõe o direito de exploração de umas pessoas sobre as outras. Sua regra de convivência é a competividade.
É óbvio que um modelo de produção que se assenta na competitividade exacerbada teria que se esgotar. Nesse momento percebemos que as respostas que aprendemos já não são eficientes e precisamos elaborar repostas que nos permitam a ver e reconhecer o outro como alguém que nos completa e sem o qual não sobreviveremos.
A vida humana desenvolveu-se no planeta a partir da cooperação entre seus membros e não pela competição. O próprio fato de sermos incompletos e sempre necessitados de algo nos ratifica que a sobrevivência exige a solidariedade. Nossas necessidades variadas nos remetem a buscar na natureza e no outro nossas satisfações.
Essa crise mostra sobretudo que é preciso estabelecer relações diferenciadas. Todas pessoas devem ser reconhecidas pelo sua condição de gente. A partilha das riquezas deve garantir a dignidade de todos e o usufruto justo, principalmente para os trabalhadores que lutam dia-a-dia . Estamos aprendendo que somente superando o individualismo e a indiferença com o outro teremos condições de defendermos nossa própria cidadania. Estamos em rede tudo o que afeta as pessoas ao nosso redor, nos afeta. Não podemos mais justificar um mundo cujo maior pecado é a concentração absurda da renda e a exclusão da maioria de qualquer direito básico de cidadania.

sexta-feira, 17 de abril de 2009

ENTRE O ÔNUS E O BÔNUS DE VIVER


É difícil encontrar uma pessoa que não se sinta fascinada por alguns ícones da beleza feminina. Entre as mulheres mais veneradas como símbolo de beleza e sedução, destacam-se Marilyn Monroe e a princesa Diana. Essas mulheres foram estampadas nas mais diversas publicações pelo mundo e em todas as fotos elas esbanjam charme e jovialidade. Viraram deusas da beleza e da sensualidade. A morte precoce de ambas legou-lhes o direito à eterna juventude. Permaneceram as imagens que congelaram traços, gestos e estilos, alimentando, ainda hoje, as fantasias mais diversas de homens e mulheres que se rendem ao fulgor sensual de dois mitos da cultura ocidental.
Nós, mulheres, gente comum, que prosseguimos pela vida afora com nossas dores, humores e rumores pagamos um preço. O preço da vida, que é consumir-se. Temos o bônus e o ônus do viver. Indubitavelmente, vamos ao longo dos anos nos aperfeiçoando, aprendendo a olhar o mundo com mais indulgência, a nos relacionarmos com os outros com mais tolerância, a lapidar os nossos talentos, a desabrochar os nossos sentimentos, a sermos mais flexíveis diante dos acontecimentos... A vida nos proporciona aprendizados: nosso olhar amplia-se, nossa escuta refina-se, nosso toque torna-se sutil, enfim nossos sentidos potencializam-se...
Entretanto, a biologia, a anatomia, a fisiologia, toda esse conjunto palpável do nosso ser, depois dos trinta anos, vai dando sinais de auto-consumo. Até os trinta todo o desgaste físico se passa da forma mais sutil e ilusória possível. Nós até acreditamos que não mudou nada. Vamos ao espelho milhões de vezes ao dia e o maldito diz como dizia para a madrasta da Branca de Neve: - Não existe no mundo mulher mais bela... - E prontamente acreditamos! E é bom acreditar. É verdade! Tudo continuará como antes... E seguimos cheias de ânimo, dispostas a acrescentar mais um projeto novo e lutarmos com toda nossa garra para atingirmos as mais ambiciosas metas.
Enquanto isso, o tempo passa a uma velocidade incontrolável. Quando menos esperamos, chegamos aos quarenta. Um dia olhamos o espelho, aquele de todas as horas e nos damos conta que o percurso, feito de conquistas e desilusões, deixou além do aprendizado, as marcas do tempo, no próprio corpo. A energia desprendida para alimentarmo-nos, aprendermos, fazermos, convivermos e sermos nos consumiu um pouco a cada dia vivido. Esse corpo marcado pelas nossas vivências nos lembra que enquanto vivemos consumimos a própria vida.
O espelho diante da dama de quarenta não responde: silencia, olha triste, depois erguendo as sobrancelhas, solta uma gargalhada marota, como a dizer: - Existem compensações, pobre senhora. É melhor confirmamos: -Sim, existem compensações. Como disse a sábia Cecília Meireles, a vida só tem sentido, reinventada.
É isso aí amigas, viver vale sempre a pena, mesmo existindo uma conta a pagar.

domingo, 5 de abril de 2009

Elas Ajudam a Ressignificar nossos Acontecimentos


Desde que a vida tornou-se cada vez mais capitalista, as necessidade humanas cresceram absurdamente. Nós, mulheres passamos a fazer parte do mercado de trabalho de maneira voraz. Algumas de nós acreditam que nossa inserção no mercado se deu somente pelas conquistas do movimento feminista, que sem dúvida cumpriu um papel histórico extraordinário na conquista dos nossos direitos, entretanto, a verdade é que nós ficamos fascinadas pelo nosso poder de compra e pelas tantas tentações do mercado de consumo.

As necessidades ampliaram-se demais que só a renda do marido ou de um só trabalho não dá conta de suprir os custos de uma "vidinha básica": minimamente necessitamos de academia, de suplementos vitamínicos, de cremes para esticar, de cremes para reduzir, de peelings de cristal, de peelings de ouro, de minilifitings, de lipos variadas, de cursos de pós-graduação, cursos de inglês, de umas viagens para espairecer... E quem tem filha adolescente tem essas necessidades básicas quintuplicadas. Isso tudo sem incluir aqueles custos orçamentários mais indispensáveis como: plano de saúde, alimentação etc.

Nos tornamos trezentos por cento ocupadas. Primeiro, nos ocupamos com nossa condição profissional que ocupa mais e mais espaço em nossas agendas, quer produzindo, ou nos preparando para um desempenho excepcional e atualizado para que não corramos riscos de sermos descartadas de nossas empresas. Segundo, precisamos cultivar nossa eterna juventude fazendo uso de todos os recursos que a indústria da beleza oportuniza pois "temos que ser além de belas, jovens e gostosas." Terceiro temos toda a administração das questões domésticas com sua interminável lista de providências para que a casa funcione, minimamente, e consigamos ter à nossa disposição o micro-ondas, a tv à cabo, a máquina de lavar ou pelo menos o computador funcionando. Diante de tudo isso, sobra no máximo nossas indipensáveis seis horas de sono.

Nesse rolo compressor de ocupações inadiáveis acabamos muito solitárias ou, quem sabe, superficiais e frias. Sem espaço para os encontros afetivos mais verdadeiros e profundos, deslizamos pelos conhecidos com nossa máscara de alegria comprada e só depois de trombarmos com um grave atropelo da vida acordamos para a importância do que é simplesmente básico à saúde mental: a afetividade verdadeira.

Confundimos a amizade com popularidade banal e rede de contatos. É algo muito mais profundo: é um encontro de almas. Ocorre quando nos permitimos um relacionamento autêntico e revelador que permite ao outro uma entrada. Esse outro por ser diferente consegue ver em nós mesmas algo que ainda não percebemos. Sair da rotina para um simples almoço com as amigas tem um poder maravilhoso: ressignificar nossos acontecimentos. Nossos relatos de dores e de conquistas ganham novas cores e ênfases. Nosso ponto de vista é ampliado pelos olhares das amigas verdadeiras que com autenticidade e franqueza nos confrontam e nos fazem ver aquilo que sozinhas não estaríamos preparadas para ver.

Acredito que se incluirmos em nossas agendas como compromisso inadiável um encontro para aquela conversa com as verdadeiras amigas, nossa vida poderá ser mais amena e menos competitiva. São muitos os "benefícios": o abraço apertado, o riso solto, a máscara caída, o brilho no olho e a saudade no até breve. As verdadeiras amigas nos tornam melhores: mais vibrantes, mais solidárias... mais gente.

segunda-feira, 30 de março de 2009

Minha Filha e Eu


Minha filha agora é adolescente. E estou deslumbrada, a meu modo, que não é tão deslumbrado assim, com suas novas manias e atitudes. Ela de uns tempos para cá não precisa tanto de nossa companhia. Fica plugada nos amigos virtuais e reais por longas horas. Acha o nosso modo de ser meio ultrapassado e, sem dúvida, acha minhas poucas preocupações inoportunas e cansativas. Precisa de longos espaços de convivência com a galera. 'A s vezes, comporta-se como se fosse uma rainha autoritária a quem devéssemos honrar e servir. 'A distância consigo rir e curtir seus ares de prima-dona, no entanto, muitas vezes irrito-me enfrentando e negando, mesmo, algumas atitudes e exigências egoístas.
É impossível conviver com uma adolescente sem algum conflito. No entanto, lembro sempre que este é o momento dela ampliar seu território e diferenciar seu estilo. Para isso ela necessita mesmo de um espaço mais amplo que a barra da saia materna ou o umbigo paterno. É tempo de explorar outros espaços sociais para que experimente novas possibilidades de ser que confirmem ou neguem determinadas influências familiares. É importante adquirir segurança nas trocas com outros parceiros para além dos parentes. É preciso estabelecer outros vínculos e sentimentos de pertencimento.
Acompanhei cada estágio do crescimento de minha filha com o encantamento de mãe. Tive prazer em curtir cada etapa, desejando que fosse transitória para que chegasse a próxima e eu pudesse desfrutar de um outro momento com novas características e com novas possibilidades de aprendizagem. Foi maravilhoso o tempo de bebê dependente que precisava do aconchego físico a todo momento. Vibrei quando começou explorar o espaço e antes de andar conseguia subir uma difícil escada com giros no bumbum. Chorei quando a vi pela primeira vez dançar no Palco do Teatro Arthur Azevedo aos quatro anos, cheia de graça e ingênua liberdade. Senti-me nas nuvens quando a ouvi ao piano fazer sua primeira e singela composição... E quando começou a pintar os parentes disputavam-lhe as telas... Foram muitos os episódios que a fizeram crescer.
Transformando-se em meio aos fatos vivenciados foi se tornando essa graça de garota. Saliente, ousada, responsável, irreverente, meio dorminhoca, cúmplice de sua galera e algumas vezes cheia de carências e ternura.
E o que pode fazer uma mãe em meio a tantas contradições e complexidades senão permitir que a pessoa desabroche? Amar é permitir que o/a filho/a seja ele/ela mesmo, mesmo que isso nos cause estranheza, mesmo que isso por algumas vezes nos exclua como pais. Como diz minha amiga Mônica: É BOM VIVER. Eu completo: e deixar viver.